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Notícia

Adicional de 10% do FGTS pagos por demissão é indevido

Ultimamente, os empregadores têm recorrido ao Poder Judiciário buscando provimento que afaste a cobrança do tributo, ao argumento de que a contribuição não mais é devida, à vista do exaurimento da finalidade para a qual foi instituída.

Como se recorda, o artigo 1º da Lei Complementar 110, de 29.06.01, instituiu uma nova contribuição social a ser suportada pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de 10%, incidente sobre o montante de todos os depósitos referentes ao Fundo realizados durante a vigência do contrato de trabalho, tendo o produto da arrecadação a específica finalidade de suprir o Fundo de recursos a serem utilizados no complemento de atualização monetária resultante dos expurgos inflacionários referentes aos Planos “Verão” e “Collor I”, cuja recomposição fora determinada pelo Poder Judiciário.

Ultimamente, os empregadores têm recorrido ao Poder Judiciário buscando provimento que afaste a cobrança do tributo, ao argumento de que a contribuição não mais é devida, à vista do exaurimento da finalidade para a qual foi instituída.

E, segundo penso, têm razão os contribuintes.

A contribuição criada e sua finalidade
A LC 110/01, que instituiu contribuições sociais e autorizou créditos de complementos de atualização monetária em contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), dispôs em seu artigo 1º: “Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas”.

Vale dizer, em 2001 foi instituída contribuição social cujo aspecto material da hipótese de incidência foi definido como sendo a despedida de empregado sem justa causa; a base de cálculo, o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas à alíquota de 10%.

Com esse perfil, a exação ajustava-se perfeitamente ao texto constitucional então vigente, cujo artigo 149 possibilitava à União instituir contribuições sociais, bastando que fosse observado o que dispunham os artigo 146, III, e 150, I e III, e artigo 195, parágrafo 6º, isto é, exigia-se apenas que fossem seguidas as normas gerais em matéria de legislação tributária, instituídas por meio de Lei Complementar, e respeitados os princípios constitucionais da legalidade (art. 150, I), da irretroatividade (art. 150, III, a) e da anterioridade (art. 150, III, b) ou anterioridade nonagesimal (art. 195, § 6.º), em se tratando de contribuição para a seguridade social.

Como todos esses preceitos foram seguidos à risca quando da edição da LC 110/01, a contribuição social de que estamos a tratar foi instituída de modo válido, tornando-se apta a obrigar a todos que viessem a se encontrar na situação de sujeito passivo — os empregadores, quando da demissão de trabalhador sem justa causa. Repiso que a exação tinha uma finalidade específica: suprir o Fundo de recursos correspondentes ao complemento de atualização monetária resultante da aplicação dos expurgos inflacionários dos Planos “Verão” e “Collor I”.

Isso porque, o Poder Judiciário havia determinado a reposição de tais “expurgos inflacionários” que, em razão da edição dos mencionados “planos econômicos”, haviam sido praticados na remuneração das contas vinculadas do FGTS. Aquelas não haviam sido suficientemente remuneradas. Assim, o Poder Judiciário determinou que o Fundo fizesse a complementação nas contas dos trabalhadores, para o que seria necessário um aporte extraordinário, vez que o Fundo não dispunha de recursos suficientes à complementação determinada.

O governo, então, optou por não aportar recursos do Tesouro Nacional, engendrando, em conjunto com as entidades sindicais (dos trabalhadores e patronais), uma solução que consistia na instituição de uma contribuição social (contribuição social geral), com fundamento no art. 149 da CF).

Para a criação do tributo, o Poder Executivo remeteu ao Congresso Nacional um Projeto de Lei Complementar, com Exposição de Motivos Interministerial, da qual destacamos:

“Temos a honra de submeter à elevada consideração de Vossa Excelência a anexa minuta de Projeto de Lei Complementar que autoriza o crédito, nas contas vinculadas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, dos complementos de atualização monetária decorrentes de decisão dos Supremo Tribunal Federal, sob condição da aprovação da contribuição social de 10% (dez por cento) dos depósitos do FGTS, devida nos casos de despedida sem justa causa, e da contribuição de 0,5% (cinco décimos por cento) incidente sobre a folha de pagamento, ora propostas”.

“A contribuição social devida nos casos de despedida sem justa causa, além de representar um importante instrumento de geração de recursos para cobrir o passivo decorrente da decisão judicial, terá como objetivo induzir a redução da rotatividade no mercado de trabalho”.

“A urgência solicitada se deve à necessidade de que os recursos das contribuições que ora se propõem sejam coletados pelo FGTS no mais breve período de tempo, a fim de que os trabalhadores possam receber a complementação de atualização monetária nos prazos propostos na anexa minuta de Projeto de Lei Complementar”.

Como se percebe, a Contribuição Social gestada tinha declaradamente a finalidade específica (destinação) de fazer face aos complementos de atualização monetária decorrentes de decisões judiciais, a fim de cobrir o passivo verificado no FGTS.

Com essa exata configuração, a exação foi instituída pela LC 110/01: a) Contribuição Social Geral (com fundamento, pois, no art. 149 da CF); b) à alíquota de 10% dos depósitos referentes ao FGTS, quando da despedida sem justa causa; c) destinada a prover os recursos com os quais o FGTS faria, por determinação judicial, o complemento de remuneração das contas vinculadas que haviam sido remuneradas a menor por ocasião dos chamados “planos econômicos”.

A norma instituidora estava, portanto, em perfeita harmonia com o texto constitucional vigente.

Tanto assim que, questionada sua constitucionalidade perante o STF (ADI 2.556 e ADI 2.568, à qual a primeira fora apensada), a Suprema Corte, após afirmar a natureza de contribuição social geral (e não contribuição previdenciária ou outra qualquer contribuição específica) e à vista de sua declarada destinação (recomposição do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, qual seja a de carrear ao Fundo os recursos correspondentes ao complemento de atualização monetária resultante da aplicação dos expurgos inflacionários dos Planos “Verão”e “Collor I” nas contas dos trabalhadores vinculadas ao FGTS à vista da decisão proferida pelo Plenário do STF no julgamento do RE n.º 226.855/RS), afirmou sua constitucionalidade, com o afastamento, apenas, do dispositivo considerado ofensivo à anterioridade constitucionalmente exigida.

Modificação dos cenários fático e jurídico
Ocorre que, de lá para cá, dois eventos se verificaram, um no mundo fenomênico e outro no cenário jurídico, cada qual deles capaz de, por si só, fulminar a obrigação tributária em questão.

O primeiro evento: o exaurimento da finalidade da instituição da exação. Isso porque todas as reposições dos expurgos referentes aos planos econômicos foram realizadas segundo cronograma estabelecido pelo Poder Executivo.

Como frisado, já na justificativa do pedido de urgência regimental ao Projeto de Lei Complementar instituidora da exação, o Poder Executivo apresentou um cronograma das reposições (ou seja, do creditamento, nas contas vinculadas, dos complementos de remuneração expurgados por ocasião dos planos econômicos), encarecendo que a aprovação fosse célere, “a fim de que os trabalhadores possam receber a complementação de atualização monetária nos prazos propostos na anexa minuta de Projeto de Lei Complementar”.

E, de fato, esse cronograma foi convolado em norma jurídica, consubstanciada no Decreto 3.913/01, que estabeleceu que as reposições fossem feitas em sete parcelas semestrais, a partir de janeiro de 2004. E isso correu, de modo que a última parcela de reposição fora creditada em 2007.

Assim, tem-se que, há muito tempo, exauriu-se a finalidade para a qual a contribuição foi instituída (deixando, assim, de existir sua destinação legal).

E sendo a destinação um dos requisitos para instituição de contribuição social, tem-se que, ausente esta, a instituição não pode se dar. E em desaparecendo a necessidade indicativa da finalidade da instituição da contribuição social, a consequência lógica é que desaparece o fundamento de validade da exação.

Dito de outro modo: a possibilidade constitucional da contribuição deixou de existir, sobressaindo a inconstitucionalidade superveniente, visto que a tredestinação fulmina de inconstitucionalidade a contribuição social validamente instituída.

No caso, o exaurimento da finalidade da exação é fato inconteste. Isso porque, além de evidenciado pela simples demonstração do escoamento do termo ad quem fixado no cronograma estampado no Decreto 3.913/01, ele restou expressamente confessado pela Chefe do Executivo em mensagem de veto ao PLC[i] que extinguia a contribuição social de que cuidamos.

Na oportunidade, a presidente da República, em mensagem enviada ao presidente do Senado Federal, comunicou que decidiu vetar integralmente aquele Projeto de Lei Complementar, por contrariedade ao interesse público, uma vez que: “A extinção da cobrança da contribuição social geraria um impacto superior a R$ 3.000.000.000,00 (três bilhões de reais) por ano nas contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ... a sanção do texto levaria à redução de investimentos em importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura, notadamente naquelas realizadas por meio do Fundo de Investimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FI-FGTS. Particularmente, a medida impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida, cujos beneficiários são majoritariamente os próprios correntistas do FGTS”.

Vale dizer, a presidente da República confessou que, uma vez cumprida a finalidade para a qual a exação fora instituída (cobertura do passivo com a reposição dos expurgos inflacionários nas contas vinculadas do FGTS), os recursos advindos da contribuição passaram a ser carreados para outra finalidade, qual seja, a de realizar investimentos públicos em “importantes programas sociais e em ações estratégicas de infraestrutura”, ressaltando que se tais recursos deixassem de ser arrecadados, isso “impactaria fortemente o desenvolvimento do Programa Minha Casa, Minha Vida ”.

Ou seja, os recursos arrecadados com a exação, cuja destinação justificadora de sua criação era especificamente definida, hoje estão sendo alocados a outra finalidade. Nem mais para o FGTS estão sendo carreados. Os recursos da contribuição social estão indo para a conta do Tesouro, como se impostos fossem. Vale dizer, na verdade, tem-se um imposto instituído de forma inválida.

Porém, por mais nobre que possa ser a nova destinação desses recursos financeiros, a inconstitucionalidade é gritante.

Não bastasse, ocorreu um segundo evento capaz de, por si só, fulminar a exação. Refiro-me à modificação do artigo 149 da CF, pela EC 33, de 11.12.01, que introduziu novos requisitos para a instituição de contribuição social, os quais não foram atendidos pela LC 110/01 (que, como se recorda, fora publicada cerca de seis meses antes da EC 33/01; esta de dezembro de 2001, aquela de junho daquele ano).

A Constituição Federal, como é cediço, atribui competências tributárias aos entes federados. Na distribuição de competências feita pelo constituinte, à União Federal tocou, além da instituição de impostos e taxas, também a de contribuições[ii].

No exercício da respectiva competência que lhe foi atribuída e valendo-se de um vasto elenco de materialidades indicadas como hipóteses de incidência, foi o ente político autorizado a instituir tributos em razão de um “por que”, quer à vista na manifestação de capacidade contributiva (impostos), quer à vista de uma atividade estatal (taxas). No caso da União Federal, também foi ainda autorizada a instituir e cobrar outro tipo de tributo (as contribuições), à vista de um “para que”, consistente em algo a ser obtido ou alcançado por meio de uma política estatal.

Nesse campo de atuação tributante, a União não teve balizadas as materialidades — como no caso dos impostos e taxas — ficando livre tanto quanto o permitisse seu âmbito de criatividade para a instituição de contribuições. A limitação imposta pelo constituinte originário não passou da indicação de finalidades a serem alcançadas com os recursos a serem obtidos com as contribuições. Para isso, cingiu-se o constituinte, no texto original da Carta Magna, a enumerar as espécies de contribuições que poderiam ser instituídas para fazer frente às finalidades a elas correspondentes: a) contribuições sociais (que englobam as contribuições gerais, as previdenciárias enumeradas na CF e outras contribuições previdenciárias), b) as contribuições de intervenção no domínio econômico e c) as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.

Embora esse rol de contribuições representasse alguma limitação, convenhamos que ainda restava ao ente tributante um gigantesco âmbito de atuação na instituição de contribuição: poderia avançar até onde sua criatividade o levasse, desde que dentro do âmbito posto, isto é, desde que respeitadas as finalidades indicadas.

Ocorre que a Emenda Constitucional 33/01 introduziu importantes limitações à competência tributária da União no que toca às contribuições.

Deveras, mantendo o caput do art. 149[iii], a EC 33/01, acrescentou parágrafos ao aludido artigo, entre eles o § 2º, que estabelece: “as contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico de que trata o caput deste artigo: I - não incidirão sobre as receitas decorrentes de exportação; II - incidirão também sobre a importação de produtos estrangeiros ou serviços; III - poderão ter alíquotas: a) ad valorem, tendo por base o faturamento, a receita bruta ou o valor da operação e, no caso de importação, o valor aduaneiro; b) específica, tendo por base a unidade de medida adotada”.

Isso não constava do texto originário.

Se não constava na Constituição e agora consta, a conclusão óbvia é que houve mudança: alguma coisa mudou quanto às contribuições sociais (a exação de que tratamos é uma contribuição social geral, disse o STF no julgamento das ADI’s supra referidas).

As novas limitações para instituição de contribuição social
Ao que se verifica, com as alterações havidas, a União continuou com a competência para instituir as mesmas contribuições (a saber, contribuições sociais, contribuições de intervenção no domínio econômico e contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas), só que a EC 33/01 restringiu o universo das possibilidades de escolha, pelo ente tributante, de um dos elementos da exação, de modo que depois da EC 33/01, o elemento “base de cálculo” (sobre o qual incidirá a alíquota ad valorem) passou a não ser mais de livre escolha, mas somente podendo recair sobre uma das quatro realidades jurídicas indicadas pela Carta Magna, a saber; ou o faturamento, ou a receita bruta, ou o valor da operação ou, no caso de importação, o valor aduaneiro.

Deveras, restou bem mais limitado o âmbito de instituição das Contribuições Sociais e de Intervenção no Domínio Econômico: elas, além de estarem vinculadas à finalidade indicada no caput do art. 149 da CF, também somente podem ter como base de cálculo ou o faturamento, ou a receita bruta, ou o valor da operação ou, no caso de importação, o valor aduaneiro, sem que se perca de vista que cada um desses vocábulos têm significado jurídico próprio.

Nesse diapasão, cabe, então, indagar: como fica a contribuição instituída pela artigo 1º da LC 110/01?

A resposta óbvia é que ela está em desarmonia com texto constitucional. Logo, a conclusão inarredável é que, no ponto, a LC 110/01 foi revogada pelo novo texto constitucional (não há que se falar em não recepção da norma legal anterior, porque não se trata de nova Carta Constitucional, mas de alteração do texto constitucional com o qual a norma legal guardava harmonia).

Ostentando o “adicional do FGTS” a natureza de contribuição social integralmente submetida ao artigo 149 da CF — assim como qualquer outra contribuição social criada depois da EC 33/01 — somente pode ter como base de cálculo ou o faturamento, ou a receita bruta, ou o valor da operação ou, no caso de importação, o valor aduaneiro, ao que não corresponde a base de cálculo da exação de que cuidamos, que, como vimos, é o montante recolhido ao FGTS durante o contrato de trabalho do empregado despedido sem justa causa.

Logo, também por esse outro fundamento a contribuição em testilha não pode mais ser cobrada.

Claro que se trata de questão em aberto, com vários pronunciamentos judiciais respeitáveis tanto no sentido da higidez da exação quanto no de sua inconstitucionalidade, cabendo ao Supremo Tribunal Federal a palavra final.


[i] - Veto n.º 27, de 2013, aposto no Projeto de Lei do Senado n.º 198, de 2007 – Complementar (n.º 200/2012 – Complementar, na Câmara dos Deputados, que extinguia a contribuição em comento.

[ii] - Com as ressalvas do § 1.º do art. 149 e do art. 149-A, da CF.

[iii] - Dispositivo que o STF, no julgamento das ADI 2.556 e 2.568, disse que era de obrigatória observância.

Djalma Moreira Gomes é juiz federal titular da 25ª Vara Cível de São Paulo