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Lei Anticorrupção entra na pauta de pequenas empresas

Os dois mil funcionários da processadora de pescados Gomes da Costa, com sede em Itajaí, Santa Catarina, têm à disposição, desde 2015, um manual anticorrupção, uma espécie de roteiro de como os empregados devem se comportar no ambiente profission

Os dois mil funcionários da processadora de pescados Gomes da Costa, com sede em Itajaí, Santa Catarina, têm à disposição, desde 2015, um manual anticorrupção, uma espécie de roteiro de como os empregados devem se comportar no ambiente profissional. O documento, de 20 páginas, adverte que os colaboradores não façam pagamentos a funcionários públicos e devem recusar categoricamente pedidos de dinheiro para obter facilidades para a empresa.

Assim como na Gomes da Costa, o tema corrupção entrou na pauta de preocupações de muitas pequenas e médias empresas do país. Especialistas afirmam que trata-se de um efeito da Operação Lava Jato, combinado com a entrada em vigor da Lei Anticorrupção, que foi regulamentada em 2015, e que prevê punições a empresas apanhadas em atos ilícitos. “Já temos até um departamento de compliance, como nas grandes corporações. Mas, no nosso caso, apenas um funcionário cuida do assunto”, diz Ana Cristina Dias, auditora interna da Gomes da Costa, ao observarque os funcionários são lembrados constantemente sobre o tema ética. Toda vez que acessam seus computadores, por exemplo, recebem uma mensagem sobre conduta e transparência no ambiente de trabalho, além de treinamentos periódicos com vídeos.

Há um movimento crescente dessas pequenas empresas em busca de práticas que possam prevenir desvios de dinheiro, pagamento de propina e de outros atos ilícitos. Essa tendência foi revelada por uma pesquisa global feita pela seguradora Zurich, no ano passado. No Brasil, dos 2,6 mil pequenos e médios empresários consultados, 15% responderam que a corrupção é um dos principais riscos para suas empresas nos próximos meses.

E a preocupação vem crescendo, ano a ano. Na pesquisa anterior, de 2015, 13,5% dos entrevistados apontavam a corrupção como um dos riscos para o negócio. Em 2014, eram 10,5% e, em 2013, apenas 7,2%. Entre os 13 países pesquisados, o Brasil ficou no topo do ranking entre os mais preocupados com a corrupção. No México, por exemplo, só 7% dos pequenos empresários responderam que esse tema causa preocupação na administração de seus negócios. O que causa mais temor aos empresários mexicanos é a falta de demanda do consumidor.“A atenção ao tema da corrupção aparece em todos os países, em menor ou maior grau. Mas, no Brasil, com as ações da Polícia Federal e do Ministério Público na Lava-Jato o tema da corrução veio para o dia a dia das empresas, inclusive das menores”, diz Walter Pereira, diretor de Varejo da Zurich.

Nesse universo de pequenas empresas, há quem ainda esteja dando os primeiros passos, como a fabricante de cosméticos Theraskin, com 360 funcionários, com sede em São Bernardo do Campo, São Paulo. Como movimenta somas elevadas com compras de matéria-prima e embalagens, a empresa viu a necessidade de buscar mecanismos para tornar mais transparentes as negociações evitando condutas impróprias. “Estamos iniciando esse trabalho com a montagem de um manual de conduta. Por ora, estamos nos prevenindo, já que desvios sempre podem acontecer”, conta o gerente financeiro da empresa, José Maria do Carmo, lembrando que até agora nenhum problema foi detectado.

Para o professor da Fipecapi, Ariovaldo dos Santos, uma forma de melhorar a transparência das empresas, de qualquer tamanho, seria criar uma regra no Bndes obrigando todas as companhias que tomassem empréstimos a divulgar informações de suas operações, seja na internet ou em balanços. “Mesmo algumas empresas grandes, que tomam recursos no banco de fomento, não divulgam seus balanços. Isso deveria ser obrigatório e aumentaria a transparência de pequenas, médias e grandes empresas.”

Compliance e finança corporativa recebem atenção redobrada

Instituição financeira sofreu com a deterioração da carteira de crédito nos últimos anos

Mitigar fraudes praticadas por profissionais é uma necessidade em si e, adicionalmente, tem impactos positivos na imagem organizacional, no ambiente de trabalho, na motivação dos demais funcionários e na perenidade do negócio. A avaliação é de Renato Almeida dos Santos, sócio da S2 Consultoria, que destaca que a fraude atinge o desenvolvimento econômico da organização ao provocar ineficiência e incentivos errados, desestimulando seus colaboradores na busca pelo bem comum e gerando altos custos.

Segundo o especialista, há formas de prevenir as fraudes internas com políticas e ferramentas de controle. Entre elas estão código de ética, canais de denúncias, monitoramento contínuo, treinamento e desenvolvimento, entre outros mecanismos. "Ao estruturar um programa de compliance, é fundamental considerar que há diferença substancial entre fraude e crime comum. O último se origina em ambiente não (ou pouco) controlado pela organização, já a fraude interna nasce do comportamento do colaborador no contexto organizacional", orienta.

A partir daí, diz Santos, é possível observar e compreender os componentes repetitivos das fraudes, buscando responder questões como: "por que a fraude ocorreu?" e "como minha organização pode mitigar sua ocorrência?". Dessa forma, é possível buscar estratégias além da prevenção das consequências dos atos do fraudador e avançar no combate às irregularidades depois que elas ocorreram. "Se indivíduos cometem fraudes por influência do contexto da organização em que trabalham, há um prenúncio alentador: é possível não só prevenir, no sentido de aumentar a eficácia dos procedimentos para lidar com a fraude, mas também há a possibilidade de relativa predição quanto à formação do fraudador."

O especialista lembra que, há mais de meio século, foi elaborado o primeiro modelo preditivo denominado "Triângulo da Fraude", o qual explica que, para que uma fraude ocorra, são necessários três fatores: racionalização, pressão e oportunidade. "Porém, assim como o tempo, a dinâmica da fraude também avançou, tornando-se mais sofisticada e de difícil identificação", diz Santos. Surge, assim, o modelo "Pentágono da Fraude", com elementos que auxiliam a identificar os motivos que levam a práticas criminosas.

Além de buscar compreender e combater atos ilícitos estimuladas pela operação Lava Jato, as micro e pequenas empresas precisam enfrentar um outro desafio: a escassez de crédito. Isso porque a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro já desenvolvida no Brasil, aliada à crise econômica, provocou a deterioração da carteira de crédito do Bndes nos últimos dois anos. Em 2014, 71% das operações financeiras do banco eram classificadas com nota "AA" ou "A", que significam um risco muito pequeno de calote. No ano passado, esse número caiu para 42%. Entre 2015 e 2016, as provisões para risco de crédito do banco subiram 524%, de R$ 1,468 bilhão para R$ 9,156 bilhões.

A reavaliação da carteira foi feita após o banco verificar um aumento nos atrasos de pagamentos, principalmente depois da deflagração da Lava Jato, em 2014. No fim de 2016, quase 60% dos financiamentos, ou R$ 196,4 bilhões, tinham notas entre "B" e "H" - o que significa atrasos entre 15 dias a mais de 180 dias. Dois anos antes, essa fatia era de 30%.

Nos grandes bancos comerciais, privados ou estatais, essa relação é bem diferente. Entre os maiores nomes do setor, o Safra tem a melhor composição, com 89,5% das operações "AA" e "A", e apenas 10,5% com B ou pior. Itaú e Santander têm mais de 70% das transações com as melhores notas, enquanto Caixa, Bradesco e Banco do Brasil operam na casa de 60% do crédito em "AA" e "A", segundo dados declarados ao Banco Central.

O professor de finanças do Insper, Ricardo José de Almeida, diz que a deterioração da carteira do Bndes é esperada em um momento como o atual. "Alguns dos setores com grande exposição têm reduzida margem de lucro. Diante da recessão, é muito fácil cair no prejuízo, e o caixa aperta", diz. Almeida nota que, nessas situações, empresas passam a priorizar pagamentos. Nessa estratégia, financiamentos de bancos públicos e impostos costumam ir para o fim da lista de prioridades.

Elementos do 'Pentágono da Fraude'

Racionalização: discernimento sobre o certo e o errado, é a percepção moral que o indivíduo tem quando se depara com dilemas éticos que pautarão suas atitudes. O fraudador precisa racionalizar seus atos; ele necessita justificar para si e para os outros que determinada ação não é errada ou, caso seja, amenizar a situação flexibilizando os padrões éticos.

Pressão: situação à qual o indivíduo esteja submetido, considerando o contexto em que o potencial fraudador esteja vivendo em um determinado momento de sua carreira.

Oportunidade: é a ideia que o potencial fraudador faz do quão vulnerável o objeto desejado está, bem como a visualização que tem dos meios para a execução dessa fraude.

Capacidade: se refere à habilidade do indivíduo que, com má intenção, consegue operar o sistema de forma ardilosa objetivando o cometimento da fraude. De nada adianta o pretenso fraudador possuir acesso ao sistema que pretende fraudar se ele não tem a competência para executar.

Disposição ao risco: é a análise dos custos versus benefícios para decidir pelo cometimento ou não da fraude ocupacional. Antes de se tornar fraudador, o colaborador mensurará se os "benefícios" que a fraude trará cobrem os custos, na hipótese de ser descoberto e punido. Fonte: Renato Almeida dos Santos, sócio da S2 Consultoria

Tema ganha força com a Operação Lava Jato

Lavagem de dinheiro e fraudes estão na mira de micro e pequenos empresários

Após a regulamentação da Lei Anticorrupção, em 2015, as empresas já começaram a se equipar para evitar casos de corrupção, mas foi a Lava Jato que deu força a esse movimento. "Isso não evita que casos de corrupção aconteçam, mas o movimento ajuda na prevenção", destaca o advogado Rodrigo Porto Lauand, sócio do Porto Lauand e Toledo Advogados, especializado em Direito Empresarial.

O especialista lembra que, com a Lei Anticorrupção, a própria pessoa física pode ser punida, além de a empresa levar multas de até R$ 60 milhões. "No entanto foi a Lava Jato que estimulou as pequenas empresas a discutir corrupção e trazer o assunto para o dia a dia dos funcionários", reforça. Lauand lembra que a lei prevê que empresas que possuem práticas anticorrupção têm a pena atenuada em caso de serem flagradas em delito.

Na distribuidora de medicamentos Elfa, empresa que tem sede em João Pessoa, na Paraíba, a preocupação com o tema começou em 2010, quando uma consultoria independente criou um código de ética para os empregados. Atualmente, a companhia tem cerca de 400 funcionários, e se relaciona com muitas multinacionais. "Nossos fornecedores e parceiros comerciais - boa parte deles, empresas norte-americanas - são rígidos em relação à aplicação da Lei Anticorrupção, que em outros países já vigora há mais tempo. E os efeitos dessa legislação também atingem suas subsidiárias no Brasil", aponta Luis Liveri, diretor-geral da empresa.

Quando o Pátria Investimentos, gestor brasileiro de investimentos e parceiro da norte-americana BlackRock, a maior gestora de ativos do mundo, adquiriu a Elfa em 2014, houve um impulso adicional para a estruturação de uma área de compliance interna. A Lei Anticorrupção norte-americana existe desde 1977, que prevê penas severas para empresas dos EUA e suas subsidiárias.

"Já temos o departamento de compliance, que se reporta diretamente ao Conselho de Administração da empresa, o que garante sua independência. Uma denúncia contra o diretor-geral da empresa, por exemplo, vai direto para o conselho por meio de um canal de denúncia anônimo e independente", conta Claudia Valente, gerente de compliance da Elfa.

Claudia passou recentemente por um treinamento oferecido pela Alliance for Integrity, um grupo composto, há alguns anos, por representantes de empresas nacionais e multinacionais, setor público, organizações internacionais e sociedade civil, que incentiva a transparência no sistema econômico. O grupo também capacita profissionais a treinar pequenas e médias empresas que queiram aderir às práticas anticorrupção. A iniciativa global foi implementada pela agência de cooperação técnica alemã GIZ e já chegou a diversos países, como Índia, México e Gana; e ao Brasil, em 2016.

Sócio da área de investigação e fraudes da consultoria Ernst & Young (EY), Guilherme Meister observa que, ao lado da corrupção, também está crescendo a preocupação das pequenas empresas com lavagem de dinheiro e fraudes. Muitas acabaram sendo usadas para viabilizar desvios, em casos recentes revelados pela Lava Jato. "Empresas menores do setor de construção civil, artigos de luxo e comércio também passaram a se preocupar com a origem do dinheiro que recebem dos clientes."

Segundo Meister, a EY detectou um crescimento de 50% ao ano, nos últimos três anos, de pequenas empresas buscando ajuda para implementar mecanismos anticorrupção. Entre elas há empresas que estão se preparando para receber investimentos, que podem ser de fundos estrangeiros, e buscando melhorar suas práticas de transparência. Outras, afirma Meister, procuram a consultoria, porque detectaram movimentos de fornecedores que podem resultar em desvios de conduta, ou porque seus parceiros já estão envolvidos em problemas de corrupção.